Mistérios Submersos
João Cardoso
| 30-01-2025
· Equipe de Ciências
Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da Terra, no entanto, mais de 80% deles permanecem inexplorados pelos humanos.
De fato, nosso conhecimento sobre as superfícies de Marte e da Lua supera o que sabemos sobre o oceano profundo.
A NASA, conhecida por sua exploração espacial, embarcou em uma iniciativa de exploração das profundezas do mar para preencher essa lacuna. O objetivo é desvendar os mistérios dos oceanos mais profundos da Terra, que podem fornecer insights sobre os oceanos de outros planetas, e também expandir os limites das capacidades tecnológicas humanas em ambientes extremos. Essa missão está repleta de maravilhas, mas também repleta de perigos, já que a pressão da água imensa representa um risco significativo de falha catastrófica.
A NASA espera que descobertas de expedições ao mar profundo desbloqueiem segredos do espaço exterior, ao mesmo tempo em que testam equipamentos e experimentos necessários para a exploração interplanetária. Os oceanos mais profundos da Terra e os ambientes de certos planetas dentro do sistema solar compartilham semelhanças marcantes. Explorar essas profundezas pode orientar os cientistas sobre onde procurar por vida extraterrestre.

A Zona Hadal: O Abismo Mais Profundo da Terra

A Zona Hadal, nomeada após Hades da mitologia grega, é a parte mais profunda dos oceanos da Terra. Essa região intimidante é composta por trincheiras e bacias, mergulhando a profundidades de até 11 quilômetros abaixo do nível do mar. Sua área total é equivalente à da Austrália. Apenas alguns submersíveis ousaram se aventurar nesse abismo sombrio.
Nessa região escura, os cientistas da NASA colaboram com a Instituição Oceanográfica de Woods Hole (WHOI) para estudar os limites da vida na Terra. Curiosamente, a terminologia usada para a exploração do mar profundo muitas vezes espelha a da exploração espacial. Por exemplo, os biólogos marinhos usam "landers" equipados com sensores para "pousar" nesses lugares inexplorados para realizar medições. O Laboratório de Propulsão a Jato da NASA (JPL) no sul da Califórnia está desenvolvendo um novo robô autônomo de mar profundo chamado Orpheus, inspirado no herói grego que se aventurou no submundo. Orpheus utiliza tecnologia de navegação visual semelhante ao Mars Rover Perseverance da NASA, empregando câmeras altamente sensíveis para identificar características como rochas e conchas no fundo do oceano. Essas características ajudam a criar um "mapa tridimensional do leito marinho", permitindo que o robô navegue independentemente e reconheça áreas previamente exploradas. Essa tecnologia também pode ajudar a descobrir novas formas de vida adaptadas a essas condições extremas.
Tim Shank, um biólogo marinho que lidera o programa de exploração da WHOI, acredita que Orpheus representa um avanço significativo. "Se bem-sucedido", disse ele, "não haverá parte do oceano que a humanidade não possa alcançar".
O antecessor de Orpheus, Nereus, foi enviado à Fossa das Querimédias perto da Nova Zelândia em 2014, mas explodiu sob pressão imensa da água a uma profundidade de 10 quilômetros. Lições aprendidas com o fracasso de Nereus informaram o design de Orpheus, que tem o tamanho de uma bicicleta, pesa 250 quilogramas e é mais leve e mais econômico do que os submersíveis anteriores. Sua construção leve permite que ele alcance trincheiras e respiradouros hidrotermais no fundo do oceano previamente inacessíveis.

Descobertas Sob a Superfície do Oceano

Por muito tempo, os cientistas acreditaram que a Zona Hadal estava desprovida de vida. Acreditava-se que toda a vida marinha dependia da cadeia alimentar sustentada pela fotossíntese, com material orgânico morto afundando das águas superficiais para alimentar a vida no fundo. No entanto, em 1977, o submersível Alvin descobriu ecossistemas vibrantes ao redor de respiradouros hidrotermais a uma profundidade de 2.440 metros no Oceano Pacífico. Esses ecossistemas prosperavam não na luz do sol, mas em produtos químicos emitidos do interior da Terra.
Os organismos nessas profundezas evoluíram para suportar pressões de até 15.000 libras por polegada quadrada. Eles alcançam isso por meio de uma substância única chamada piezólitos, que impedem que as membranas celulares e as proteínas sejam esmagadas. Essa descoberta inovadora tem levantado a possibilidade de encontrar formas de vida semelhantes nos oceanos sob as superfícies geladas de corpos celestes como Europa, uma das luas de Júpiter.

Oceanos em Outros Mundos

O oceano subsuperficial de Europa, que se acredita ter entre 60 e 150 quilômetros de profundidade, contém o dobro da água dos oceanos da Terra. Apesar de sua espessa camada de gelo, o ambiente abaixo pode ser semelhante à Zona Hadal da Terra. Os cientistas da NASA estão otimistas de que robôs como Orpheus, capazes de suportar pressões e temperaturas extremas, poderiam um dia explorar esses oceanos extraterrestres.
O programa Subsea, lançado pela NASA em 2017, combina a exploração espacial e oceânica. Já completou missões em locais vulcânicos subaquáticos ao largo das costas do Havaí e da Califórnia, considerados análogos às condições sob as camadas de gelo de Europa e Encélado, uma das luas de Saturno.

Conexão entre a Exploração Espacial e Oceânica

Os desafios da exploração do mar profundo espelham os das missões espaciais. Os robôs implantados em ambos os ambientes devem ser totalmente autônomos, capazes de tomar decisões e equipados para resistir a condições extremas. Por exemplo, o casco de espuma sintética de Orpheus foi projetado para suportar pressões esmagadoras, uma característica adaptada do submersível Deepsea Challenger de James Cameron.
A exploração do mar profundo também informa os esforços da NASA para explorar a Lua e além. A próxima missão Viper enviará um rover para o Polo Sul da Lua em busca de gelo de água. As lições aprendidas com o Subsea foram fundamentais na preparação para tais missões.
O foco duplo da NASA na exploração espacial e oceânica não apenas avança a compreensão humana do cosmos, mas também fornece insights críticos sobre os próprios territórios inexplorados da Terra. Como destaca Laura Lorenzoni, uma biogeoquímica oceânica da NASA, "Se quisermos salvar os oceanos, precisamos entendê-los". Através desses esforços, a humanidade dá passos em direção à desvendar os mistérios tanto das estrelas acima quanto das profundezas abaixo.